1997 é uma carta que poderia ter sido escrita por Lila Tiago aos 12 anos, em 1997. No ano em que morreu a princesa Diana, um ano antes de morrer a sua própria mãe. 1997 conta parte da vida emocional da criança que Lila foi e sente-se quão assustador e solitário era o seu mundo, assim como os mundos de muitas crianças-bicha até hoje, presas e perdidas entre o peso do silêncio e da vergonha e a violência inescapável.
A peça em trompete que acompanha o relato, interpretado e gravado por Bernardo Araújo, o filho de uma amiga da dupla, exatamente com 12 anos à data da gravação, foi criada e tocada por passarumacaco, um trompetista e músico eletrónico trans, radicado na Covilhã.
lyrics
A Princesa Diana morreu. Vi o funeral em direto na televisão, sentado no sofá da minha avó, a comer cereais. O príncipe William e o príncipe Harry seguiam o caixão tão compostos, tão bonitos naqueles fatos. Vi-me a mim naquele cortejo, cheio de dignidade aos olhos do mundo inteiro, sem deitar uma lágrima. Já não me lembro se eles choraram... mas acho que não.
Eu sou um maricas.
E sou gordo.
Nunca poderia ser um príncipe.
A quem é que interessa a minha tristeza?
Fui passear a Boy, a cadela que a minha avó trouxe e achava que era um cão e eu dei-lhe o nome de Boy, mas afinal é uma cadela e agora só responde por esse nome. Enquanto a Boy corria, pus-me a cantar a música da Janet Jackson. Li que é sobre o melhor amigo dela, que morreu com sida. Já percebi que eu também vou morrer com sida, acho que é inevitável.
Quando for adulto, vou-me embora, vou para outro país, só falo com a minha família ao telefone, assim eles nunca saberão. Não quero que tenham vergonha disto que eu sou.
De ser tão fraco que não respondo aos rapazes que gozam comigo na escola e na rua. Nem levanto a cabeça. Às vezes, até finjo que estou doente para não ir à escola, acordo de manhã e o meu primeiro pensamento é a humilhação. Não aguento mais o olhar de pena das minhas amigas quando eles me empurram, ou me cospem ou gritam quando eu entro na cantina, a chamar-me maricas e a dizer para lhes chupar a pila, à frente de toda a gente. Já fiquei sem almoçar tantas vezes só para não levar com aquilo. Não posso dizer a nenhum adulto... porque aí eles saberão e vão olhar-me com aqueles olhos de pena.
Pena de eu ser tão maricas.
Será que vou viver tranquilo alguma vez? Não passar o dia inteiro com medo, a olhar por cima do ombro, a tentar controlar a voz, as mãos, os corredores por onde posso ir no recreio, a dar voltas sozinho ao bairro, durante horas, à espera que eles se vão embora do banco da rua para não ter de passar por eles?
Eu ainda nem percebi se sou mesmo gay mas eles pelos vistos já sabem.
A música da Janet Jackson faz-me sempre chorar, é como se fosse sobre mim.
Só tenho 12 anos mas parece que já carrego uma sentença de morte.
credits
from OCUPAÇÃO,
released June 3, 2022
Letra: Lila Tiago
Música: Luís Clara Gomes, passarumacaco
Artistas convidados: Bernardo Araújo, passarumacaco
O Fado Bicha é um projeto musical e ativista criado e desenvolvido por Lila Fadista, na voz e letras, e João Caçador, nos
instrumentos e arranjos. O projeto assume-se de intervenção, começando na representatividade da comunidade LGBTI, e adensando-se pelos temas que abordamos e as posições em que nos colocamos, falando sobre género, colonialismo, racismo, feminismo e direitos dos animais....more
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This is done so well. Not just anybody can step into a studio and make a fado record. But these musicians caught the heart and soul of it. Wonderful. Robert Bloemkolk
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This gem is art in it's purest. This is music of future. Exceptionally innovative and daring, exploring unknown territory of unheard before mix of electronic percussions, sick beats, world folklore vibes, evocative portuguese fado-inspired vocals, futurism poetry.
Sounding as exorcism, it is evoking imagination + inspiration + occasional goosebumps. <3 ערפל
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The past meets the future in this great modern fado record. Stunning vocals float above beautifully restrained analog synths and some magnificent pianoplaying. Robert Bloemkolk
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